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As implicações da invasão Rússia-Ucrânia nos sistemas alimentares em África
Em 24 de fevereiro de 2022, a Rússia lançou um ataque contra a Ucrânia, uma democracia europeia com uma população de cerca de 44 milhões de pessoas.
Apesar da localização geográfica dos dois países europeus, a invasão está a lançar uma longa sombra em toda a África, uma vez que o impacto acabará por afetar a realização dos Objectivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) 2 e 8, que apelam à erradicação da fome e ao estabelecimento de um crescimento económico sustentável e do emprego, respetivamente.
Na África Subsariana, a agricultura representa 32% do PIB e emprega 65% da mão de obra. Apesar deste facto, em 2021, os preços dos alimentos dispararam em muitos países africanos devido à seca extrema e aos choques provocados pela pandemia de COVID-19. Durante a campanha agrícola de 2020-2021, o continente foi abastecido com trigo, milho, óleo de cozinha e outros alimentos básicos no valor de aproximadamente 2,6 mil milhões de euros provenientes da Ucrânia e 3,6 mil milhões de euros provenientes da Rússia.
Com a Rússia e a Ucrânia a fornecerem coletivamente cerca de 30% do trigo mundial, uma rutura deste abastecimento faria subir os preços dos produtos de base e agravaria a insegurança alimentar em África. É provável que a crise afecte os países do Norte de África que dependem dos dois países europeus para cereais como o trigo e o milho. Com os países africanos já a lutarem para recuperar dos impactos de uma pandemia mortal, bem como do agravamento da crise climática que está a empurrar os africanos para uma situação de maior pobreza, os países do Norte de África que sofrem atualmente de seca, como o Egipto, a Tunísia, Marrocos, a Argélia e a Líbia, são susceptíveis de sentir o impacto devido à sua forte dependência dos cereais para alimentar as suas populações. Por outro lado, a Etiópia, o Sudão do Sul, o Chade, o Burkina Faso e a República Democrática do Congo, que já estão à beira da fome, também estão em risco devido à sua dependência da ajuda alimentar, que consiste principalmente em cereais provenientes da Rússia e da Ucrânia. Atualmente, os preços dos alimentos a nível mundial são os mais elevados desde 2011, o que significa que a invasão só irá piorar a situação da segurança alimentar e da estabilidade económica no continente. Em 9 de março de 2022, o governo ucraniano proibiu as exportações de cereais e outros produtos alimentares para evitar uma crise humanitária interna. O Egito, o maior importador mundial de trigo da Rússia e da Ucrânia, é especialmente vulnerável, pois depende fortemente de importações subsidiadas para garantir o acesso a pão e óleo vegetal a preços acessíveis, com mais de 70 milhões de seus cidadãos dependendo de pão subsidiado. Além disso, o país importa mais de metade do seu óleo de girassol da Ucrânia.
Numa reunião do Conselho de Ministros, em 23 de fevereiro, o Primeiro-Ministro egípcio, Mostafa Madbouly, declarou que as actuais existências de trigo em silos seriam suficientes para quatro meses e que, em abril, a produção local seria colhida, aumentando as existências para cerca de nove meses. Poucos dias depois, a 10 de março, o Governo egípcio anunciou uma proibição imediata de três meses de exportação de trigo, farinha e outros produtos de base. O Governo pretende obter trigo de fontes alternativas e, por conseguinte, evitará muito provavelmente uma escassez imediata de trigo, mas o impacto direto poderá ser um aumento acentuado dos preços. Se os preços do trigo aumentassem, também aumentaria a necessidade de subsídios para manter o custo para a população, numa altura em que o governo já estava a pensar em reduzir os subsídios ao pão. É importante notar que, em junho de 2021, o governo egípcio reduziu os subsídios ao óleo de girassol e de soja em 20%, em resposta a um aumento dos preços.
O preço do pão subsidiado tem-se mantido em 5 piastras (US$0,003) por pão desde a década de 1980. Os subsídios ao pão são notoriamente sensíveis do ponto de vista político desde os motins do pão de 1977, que eclodiram após o anúncio do Presidente Anwar Sadat de que iria levantar os subsídios à farinha, ao arroz e ao óleo alimentar.
Entretanto, os importadores da região do Mar Negro já estão a enfrentar circunstâncias extremamente voláteis que poderão ser agravadas pelo aumento dos preços dos alimentos. No Sudão, desde que a Rússia substituiu a Austrália como principal importador de trigo, o preço de retalho já tinha subido devido a um bloqueio de manifestantes em Port Sudan em outubro de 2021. Dada a relação entre os preços do pão e a política, prevê-se que uma nova subida dos preços dos alimentos venha a alimentar ainda mais a ira dos civis. Além disso, os peritos alertaram para o facto de que, caso a guerra entre a Rússia e a Ucrânia se arraste, a Rússia poderá também impor tarifas de exportação ao seu trigo para melhorar a sua segurança alimentar.
A invasão ucraniana também afectou o sector da energia. O aumento do custo da energia e o facto de a Rússia ser o maior exportador de fertilizantes também terão impacto no preço dos fertilizantes - um produto importante na agricultura. É essencial mencionar que, em 2021, os custos da ureia e do fosfato - dois dos principais componentes dos fertilizantes - já tinham aumentado 30 e 4 por cento, respetivamente. Em África, a baixa fertilidade natural do solo significa que os fertilizantes químicos são muitas vezes essenciais para a produção de alimentos, e vários países têm regimes de subsídios aos fertilizantes desde a cimeira dos fertilizantes de Abuja em 2006 e a crise dos preços dos alimentos de 2008/2009.
Em suma, prevê-se que as taxas de fome aumentem e que as economias africanas se afastem ainda mais da recuperação do choque económico causado pela pandemia de COVID-19. Ambos têm o potencial de empurrar os cidadãos africanos para uma situação de maior pobreza, pelo que há muito em jogo para o sistema alimentar em África.
*Escrito por J. Akinyi